Precisamos Questionar!


Muitos dos meus amigos dizem que sou questionador e que às vezes tenho opiniões muito polêmicas sobre determinados assuntos.


Mas acredito que nós, como seres humanos e, especialmente, como cidadãos que somos, detentores de direitos e deveres, células de um grande organismo chamado sociedade, precisamos e devemos questionar.


Questionar tudo! Raciocinar, avaliar, analisar, enfim, pensar!


E não aceitar as coisas só porque a maioria pensa desse jeito ou age de tal forma. Maioria nunca foi sinal de sabedoria ou de inteligência, muito pelo contrário. Como diria Raul: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".


Então fiz o blog nesse sentido e dei o nome de QUESTIONAMENTOS, ou seja, quem quiser entrar, participar, questionar, dar sua opinião, fique à vontade.


Na medida do possível vou estar postando aqui textos e artigos de diversos assuntos: política, religião, relacionamento... e de preferência que leve o leitor à reflexão.


É isso ai galera! Vamos questionar!

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

*Texto enviado pelo amigo Luiz Eduardo "REFLEXÕES SOBRE A SÚMULA 492 DO STJ. ACERTO OU DESACERTO DA CORTE DA CIDADANIA?"


Ao julgar incabível a medida de internação para menores, que não tiveram registros policiais anteriores, envolvidos com a prática do ato infracional similar ao tráfico de drogas, o Superior Tribunal de Justiça solidificou a sua jurisprudência há muito consolidada, com a edição do verbete sumular 492: “O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida sócio-educativa de internação do adolescente”.

A despeito de o entendimento da Corte da Cidadania seguir a exegese extraída da letra fria da lei, percebe-se que não é a interpretação mais consentânea com a realidade brasileira atual. E algumas reflexões sobre seu impacto na sociedade hão de ser destacadas. Pensemos...

Problemas existem. Isto é fato. Soluções, nem sempre as mais ortodoxas ou inovadoras são capazes de soterrar de uma vez por todas o embate que pretendem resolver. Dentro desta dogmática, não se pode olvidar que para determinadas controvérsias, máxime quando se trate de interpretação da lei ou aplicação desta em um contexto social heterogêneo e dinâmico, inexiste uma fórmula mágica que encaixe como uma luva para a situação em se discute, até porque na mão pode faltar um ou outro dedo, e por vezes pode sequer existir a mão que se pretendia cobrir. Entretanto, não há como deixar de afirmar que a sociedade espera dos senhores magistrados é a “prudência da justiça” nas decisões proferidas e a esperança que terão por escopo principal a promoção da paz social que, aliás, trata de missão conferida a todos os operadores do direito. Ao meu sentir, a realidade social e o seu contexto histórico devem ser considerados como fatores preponderantes para a análise da norma pelo exegeta e alguns fatos devem ser repisados. Vejamos:

Como é cediço, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) foi editado quase 02 anos após a promulgação da Carta Magna de 1988, visando salvaguardar aos interesses dos menores. Contudo, não há como deixar de se destacar que a estrutura organizacional do tráfico de drogas naquela época (1990) ainda era incipiente, bem diferente do contexto hodierno em que organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho, ameaçam diuturnamente e cada vez mais a paz, a saúde e a segurança públicas, máxime nos grandes centros urbanos.

Não é de hoje que o tráfico de drogas vem sendo denominado como um câncer do tipo maligno e assolador, que se infiltra rapidamente por todo o corpo social, esfacelando famílias, corrompendo trabalhadores de todas as esferas, além de ser um dos grandes males da sociedade contemporânea, ao fomentar a violência urbana da qual todos nós somos vítimas.E diga-se mais:

O comércio de drogas não se trata de uma relação estanque em que há apenas dois sujeitos que envolve o mercador que aliena o entorpecente e o usuário que compra, mas sim, há que se considerado toda sua teia criminosa. Neste ponto, vale dizer: Sua estrutura vai desde a pessoa que compra pequena ou significativa quantidade de droga, da outra que faz o refino, da que a distribui para os pequenos traficantes a fim de que possa revendê-la, etc., tudo isso a revelar ramificações de pequenas, médias e grandes organizações criminosas que assolam o meio social. Com tudo isso, há que ser gizado ainda, que seus protagonistas vão desde pessoas desprovidas de mínimas condições de existência digna até agentes públicos de alto escalão e empresários dotados de grande influência no meio social.  E essa gama de categorias envolvidas com tão nefesta prática o que mais é preocupante é a participação de jovens nesse mundo tão cruel.

O que tenho verificado na atuação prática de Promotor da Infância e Juventude é que uma das ferramentas de que se valem os criminosos para o robustecimento da máquina do tráfico são as crianças e os adolescentes que, sem a fiscalização de seus pais ou responsáveis legais, viram alvos fáceis nas mãos dos criminosos. Deste modo, uma vez cooptados, passam a ter relações estreitas com membros de quadrilhas criminosas de alta periculosidade, sendo gradativamente iludidos sob a falsa esperança de terem status social e uma vida confortável, sem que precisem se preocupar em ter uma ocupação lícita e honesta, o que se torna um forte chamariz para integração de mais e mais menores ao submundo das drogas. E essa lamentável constatação tem uma explicação muito simples:

Como os inimputáveis recebem uma resposta estatal com medidas compatíveis com o estado de pessoa em desenvolvimento, bem diferente dos elementos imputáveis integrantes desta linha criminosa que se sujeitam a um tratamento bem mais rigoroso, tratando-se de crime equiparado a hediondo, os barões do tráfico buscam a todo momento a cooptação de menores para o fornecimento de mão de obra, na condição das denominadas “mula” ou “aviãozinho”. E, quando os imaturos adolescentes (quando não são crianças) são capturados e apreendidos, o desfalque na mão de obra é facilmente substituído por outros menores, dada a grande rotatividade de jovens  dispostos a exercer o ofício ilícito.

Caso não bastasse a tamanha facilidade do traficante, é realidade constante em todos os fóruns e tribunais do Brasil que, quando da ocorrência de apreensão em flagrante, os menores de idade buscam a todo custo assumir toda a responsabilidade da droga, confessando a mercância e todo seu “modus operandi”, e, quando interrogados, isentam seus verdadeiros mentores de suas condutas.

Desta maneira, partindo da premissa de que o processo penal necessita de provas robustas e irrefutáveis para a condenação, sob pena de se cometer injustiças, a imposição da responsabilidade penal aos imputáveis fica dificultada em sobremaneira. E, ao final do processo infracional, mesmo sendo condenados, dificilmente os adolescentes são submetidos a medida drástica da internação  - por inúmeras razões, p. ex.  falta de vagas, entendimento jurisprudencial, conveniência da comarca, óbice legal, etc - , daí porque a participação de menores na narcotraficância tem alcançado índices cada vez mais crescentes. Constatação lamentável...

Em virtude de todo esse perigoso contexto acaba por gerar uma grave crise institucional, legal e de valores, na medida em que toda a sociedade começa a se questionar se a legislação menorista atende aos anseios da coletividade que, em que pese entender a necessidade de se educar os jovens de hoje para que não se determinem à margem da lei amanhã, se choca e se rebela contra barbáries por vezes levadas a efeito por quem sequer teve finalizado o seu desenvolvimento físico e mental. Diante desta conjectura, a sociedade brasileira – hodiernamente muito mais informada do que ocorre nos bastidores da justiça – acaba por desacreditar na justiça, porquanto vivenciam a evolução da jurisprudência cada vez mais benevolente e os crimes aumentando. Sensação de impunidade!

Por outro lado, convém enfatizar que o adolescente de hoje, diferentemente daquele tratado no Estatuto dos Menores, possui ampla participação social e detém acesso amplo e fácil à informação por meio da internet e das redes sociais, a ponto de se exigir uma responsabilidade social em todos os aspectos sociais do cotidiano, especialmente no que tange à prática de condutas perniciosas. Logo, face ao atual momento evolutivo que vivenciamos é forçoso afirmar que o inimputável não deve ser tratado como parasita e inconsequente, ao revés, deve ter o pleno conhecimento de que quaisquer atos perpetrados à margem da lei não mais serão tolerados pelo Estado e, por conseguinte, serão tratados de forma proporcional à gravidade de sua conduta.

Data máxima vênia a orientação da Superior Corte de Justiça, tenho que seu efeito prático só fará sobrelevar a sensação de impunidade e o fomento ao aliciamento dos jovens pelos comandantes dos grupos criminosos, que se sentem cada vez mais estimulados a corrompê-los sob a certeza de que logo depois de serem apreendidos, estarão novamente à disposição para cometerem novos atos infracionais.

Lamentavelmente, a leitura do art.122 do Estatuto não é mais consentâneo com a realidade dos jovens que compõem o submundo do tráfico, pois traz riscos à paz, à saúde, à segurança, ao pregar o regime aberto, colocando em perigo toda a sociedade, já que a traficância é a porta de entrada a outros delitos, como furto, roubo, homicídio, latrocínio, dentre outros.

Se a Constituição e a Lei de Drogas encaram com austeridade as pessoas envolvidas com a mercancia ilícita de substâncias estupefacientes, é razoável aplicar aos infratores o mesmo tratamento proporcional à condição de pessoa em desenvolvimento, de forma a coibir apropriadamente atos nocivos que afrontam o exercício da cidadania e ao bem estar social.

Ouso a afirmar que, ao tolerar que inimputáveis possam praticar atos violadores da ordem jurídica de tamanha gravidade com reprimendas irrisórias ou que imponha que a autoridade judicial aplique medida que destoa da gravidade da conduta e da personalidade do agente, inegavelmente, o Estado passa a oferecer uma proteção deficiente a bens jurídicos que também merecem ser salvaguardados, como a paz, a segurança e a saúde pública.  

Em casos tais, a liberdade do adolescente em detrimento do corpo social revela uma indevida omissão estatal na proteção de bens jurídicos tuteláveis. Significará dizer que, em termos práticos, o próprio adolescente, diante da impunidade, não encontrará limite legal que impeça o seu agir ou, ainda, que modifique sua ação, deixando-o cada vez mais entregue ao domínio do narcotráfico e a sociedade em geral, desprotegida pela lei, não encontrará no Estado a proteção esperada, e assistirá cada vez mais a desolada ação de menores participando como coadjuvantes e protagonistas da disseminação do consumo de substâncias psicotrópicas, de forma avassaladora, em escolas, lares e praças, órgãos públicos e comércios, enfim, uma espécie de dominação em todo o ambiente social.

Ao meu juízo, o Estado, por meio do Poder Legislativo, deve exercer uma política criminal que recrudesça as penalidades aplicáveis na legislação menorista, tornando-a compatível e eficaz com a realidade dos adolescentes useiros e vezeiros na prática de ato infracional similar ao tráfico de drogas. Procedendo de tal forma, passará a tutelar mais eficazmente toda a sociedade, que já é carente de políticas públicas eficazes relacionadas à cultura, educação, à oportunidade de emprego, destinadas a esta parcela da população, evitando que fiquem ociosos e se envolvam com atividades ilícitas.

Soma-se a isso, diante do caso concreto, o Poder Judiciário, auxiliado pelos demais órgãos da justiça, sobretudo o Ministério Público, deve dar uma resposta proporcional e adequada àqueles jovens que ingressem no submundo do tráfico de drogas. Assim agindo, com o passar dos tempos, a sociedade voltará a acreditar na Justiça de Menores, enquanto que os jovens terão o pleno entendimento de que a vetusta visão do Estatuto Menorista passa a ser adequado à nova realidade social, uma vez que serão devidamente reprimidos por condutas que levam a uma enorme cadeia de outros crimes, em ordem a evitar que a tolerância exacerbada incentivadora de novas condutas infracionais.

Com todo o respeito a opiniões divergentes, que respeito, o entendimento do corpo social sobre o que seja certo ou errado, justo ou injusto, conceito variante de acordo com a cultura, lugar e tempo de um povo, defende-se que a simples verificação da norma em apreço e a sua compatibilidade com a Lei Maior não são suficientes para se aferir pelo acerto da súmula em apreço. Todas essas vertentes deverão ser abalizada. O tempo de vigência da súmula nos trará subsídios para maiores reflexões.


LUIZ EDUARDO SANT’ANNA PINHEIRO-
Promotor de Justiça