Precisamos Questionar!


Muitos dos meus amigos dizem que sou questionador e que às vezes tenho opiniões muito polêmicas sobre determinados assuntos.


Mas acredito que nós, como seres humanos e, especialmente, como cidadãos que somos, detentores de direitos e deveres, células de um grande organismo chamado sociedade, precisamos e devemos questionar.


Questionar tudo! Raciocinar, avaliar, analisar, enfim, pensar!


E não aceitar as coisas só porque a maioria pensa desse jeito ou age de tal forma. Maioria nunca foi sinal de sabedoria ou de inteligência, muito pelo contrário. Como diria Raul: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo".


Então fiz o blog nesse sentido e dei o nome de QUESTIONAMENTOS, ou seja, quem quiser entrar, participar, questionar, dar sua opinião, fique à vontade.


Na medida do possível vou estar postando aqui textos e artigos de diversos assuntos: política, religião, relacionamento... e de preferência que leve o leitor à reflexão.


É isso ai galera! Vamos questionar!

sábado, 6 de novembro de 2010


"Há tantos burros mandando em homens de inteligência que às vezes fico pensando que a burrice é uma Ciência".

Ruy Barbosa


Há um debate nada salutar que ainda vigora no nosso país, especialmente em época de eleições. É o debate que divide a sociedade em dois pólos antagônicos, o Povo X a Elite. Como se uma elite não fizesse também parte de um povo. Aliás, a palavra elite nada tem a ver com o sentido que a empregam nesse tipo de debate. Explica Aurélio Buarque de Hollanda que elite, do francês élite, significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada, constituída pelos indivíduos mais aptos”. Ou seja, são as pessoas do povo mais informadas, com capacidade de análise, com condições de avaliar o certo e o errado.


Assim, num contexto mais histórico, podemos dizer que foi a elite que lutou pela independência do Brasil, pela República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela defenestração do Collor e até mesmo para tirar Lula (que se diz contra as elites e a favor do povo) das grades da ditadura em 1980, onde passou 31 dias, e depois o elegeu, o primeiro operário, Presidente do Brasil, na esperança de mudança. Mas ainda hoje a elite é vista como a inimiga. Não acho correto essa divisão. Mas tudo bem, vamos dividir e pensar.


O cidadão que veio da elite, que teve o privilégio de aprender a ler, de estudar, de trabalhar, de comer diariamente e de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudesse ser capaz de pensar com independência. O cidadão que veio do povo, seguindo o raciocínio da divisão, naturalmente não teve as mesmas oportunidades. Considerando a realidade brasileira, a elite seria uma minoria e o povo a maioria, não precisa ser nenhum gênio para chegar a essa conclusão. No nosso regime de governo vence, via de regra, o representante que é escolhido pela maioria de votos. Isso é basicamente a Democracia, o governo do demo, demo= povo, cracia= governo.


Há um refrão popular muito entoado pelo próprio povo: “A voz do povo é a voz de Deus”. Então Deus é o demo, é o povo a se manifestar? Que Deus é esse? Eu acredito num Deus soberanamente bom, justo e de infinta sabedoria e inteligência. Pela divisão que fizemos isso não tem nada a ver com o povo, certo? Estou aqui num jogo de palavras buscando reflexão. Há uma inversão de valores quando se fala em povo e elite. Se você buscou conhecimento, sabedoria, trabalho e bem estar material, você se “elitizou” e não é mais do povo! Você prefere ler um bom livro, escutar um clássico e ver programas culturais, não gosta de cerveja, carnaval e futebol, ah meu amigo, você não é do povo, é elite! É o povo que diz! E a voz do povo é a voz de Deus!?

Abaixo segue um texto interessantíssimo abordando este e outros temas. Corroboro com todos os argumentos do colunista. Sigamos em frente, refletindo e fazendo a nossa parte, na esperança de que um dia povo e elite se confundam, definitivamente!


sexta-feira, 5 de novembro de 2010

GANHEI CORAGEM


Rubem Alves

Colunista da Folha de São Paulo

"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsch. É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo. Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega: "Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos". Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem.

Vou dizer aquilo sobre o que me calei: "O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo. Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar. A democracia é o governo do povo. Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere.

A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.

E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras ideias. Amava a prostituição. Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou. Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava. Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: "Agora você será minha para sempre."Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus. Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável. O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras. As mentiras são doces; a verdade é amarga.

Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos! As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo.. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.

Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro "O Homem Moral e a Sociedade Imoral" observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções coletivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos atos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.

Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.. É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.

Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O povo, unido, jamais será vencido!

Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos. Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de Saramago, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol. Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.

De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça, é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: "Caminhando e cantando e seguindo a canção." Isso é tarefa para os artistas e educadores.

O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.